Hibridação Cultural: Sonoridades Migrantes Na América Latina
Enviado por kore34 • 5 de Enero de 2013 • 7.490 Palabras (30 Páginas) • 448 Visitas
O público e o privado - Nº 17 - Janeiro/Junho - 2011
(*) José da Silva Ribeiro - CEMRI/Laboratório de Antropologia Visual 107
Universidade Aberta. @ - jsilvaribeiro@gmail.com
Cultural hybridization: migrants sonority in Latin
America
José da Silva Ribeiro *
Hibridação Cultural:
sonoridades migrantes na América Latina
Palavras-chave:
hibridação;
hibridismo;
mestiçagem;
crioulização;
sonoridades
migrantes.
RESUMO: Embora sejam muitos os objetos possíveis do processo de hibridação
cultural ou mestiçagem, ou “crioulização”. Elegi, para este trabalho, como
objeto da hibridação cultural as sonoridades migrantes. Para a reflexão
proposta tentarei definir os conceitos que giram em torno do encontro entre
culturas, os objetos de hibridação e situações, contextos e locais em que esta
acontece. Talvez devesse utilizar preferencialmente o conceito de mestiçagem
em vez de hibridação ou hibridismo. Estou de acordo com os autores que
consideram que a dimensão temporal é o que distingue a mestiçagem de
outras formas de união, como o hibridismo, o misto, a mistura, que podem
ser apreendidos estaticamente. A mestiçagem é mais sonora que visual, mais
musical que pictórica, mais narrativa que descritiva. Parece-me pois necessária
uma revisão dos termos e conceitos e a reflexão teórica e sua aplicação no
objeto e situações abordadas nesta comunicação.
ntrodução
Embora sejam muitos os objetos possíveis do processo de hibridação cultural
ou mestiçagem, ou “crioulização”. Elegi, para este trabalho, como objeto
da hibridação cultural as sonoridades migrantes na América Latina. O que
I
O que se assemelha não é forçoso que se reúna e o que se reúne
não é forçoso que se assemelhe.
O devir nunca se adivinha: esta é a dinâmica, vibrante e
frágil da mestiçagem.
(Laplantine e Nouss)
108 José da Silva Ribeiro
entender pois por sonoridades migrantes? Quais as razões desta escolha?
Como se reconfiguram na América Latina ou na circularidade Cultural Euro-
Afro-Brasileira ou Euro-Afro-Atlântica? Para a reflexão proposta tentarei
definir os conceitos que giram em torno do encontro entre culturas, de objetos
de hibridação, de situações, contextos e locais em que acontece. Estamos
certos, como afirmam Laplantine e Nouss, que, em todas as formas de estar no
mundo e todas as formas de expressão, “a mistura nada tem de circunstancial,
de contingente, de acidental. A condição humana é o encontro, nascimento
de algo diferente que não estava contido nos termos em presença. Não é, pois
necessário reivindicar a miscigenação, fazer a defesa da mestiçagem como
se estivéssemos confrontados com uma alternativa, porque ela não é senão o
reconhecimento da pluralidade do ser e do devir” (2009, p. 71). No entanto,
raramente a mestiçagem e o hibridismo foram pensadas como tal. A reflexão
sobre este fenómeno raramente existiu nas sociedades não ocidentais e no
ocidente foi sistematicamente ocultado. Urge pois o pensamento mestiço sobre
objetos e contextos precisos. Escolhemos as sonoridades para esta reflexão como
sequência de trabalhos e da pesquisa anteriormente realizados em Portugal, em
França e na América Latina, mas também porque talvez a arte mais mestiça seja
a música, a mestiçagem mais auditiva que visual mais polifónica que dualista
ou monista (Laplantine e Nouss). O cinema e o pós-cinema estiveram sempre
presentes nesta reflexão, como representação dos fenómenos enunciados
mas também por ser uma arte mestiça (colagem e a montagem) e como
arte migrante (muitos cineastas migram ou migraram para os lugares ou
sociedades em que é possível fazer cinema) e o fenómeno migrante bem
como as sonoridades migrantes desse processo de mediação (como memória
e como representação). O pensamento mestiço é um pensamento de mediação,
de participação de transformação “dirigido para um horizonte imprevisível que
permite restituir toda a dignidade ao futuro” (2009, p. 84). Se esta reflexão vem
na sequência de trabalhos anteriores ela é também o início de um percurso
e, portanto, um índice para investigação futura de que esta comunicação é
início e abertura para perspectivar a análise comparativa.
Sonoridades Migrantes
Poderemos encontrar o processo ou fenómeno da hibridação cultural em
toda a parte e nos diversos domínios da cultura – nas religiões sincréticas,
nas filosofias ecléticas, na culinária, nas artes, na arquitetura, na literatura
ou mesmo na ciência. Até a ciência é policêntrica e contaminada pelo
subjetivismo, pela reflexividade.
Escolhemos como objeto desta abordagem as sonoridades migrantes. O que
entender por sonoridades migrantes? Não pretendemos apenas abordar a
O público e o privado - Nº 17 - Janeiro/Junho - 2011
Hibridação Cultural: sonoridades migrantes na América Latina 109
música mas um objeto mais amplo: as sonoridades. Sonoridades das vozes,
da fala, do acento e do ritmo linguístico, dos rumores, das orações, das
sonoridades dos lugares vividos, dos instrumentos, do canto, dos reportórios,
do grito de êxtase ou de dor, do silêncio.
Pretendemos abordar as Sonoridades em contexto. Inscritas em processo
sociais e culturais.
[…] para nós, a música (e as sonoridades) não pode(m)
mais ser consideradas como fenómeno inerte dentro da
cultura, prática segunda, ou produto derivado: ela é
socialmente decisiva e psicologicamente ativa. Não é só
indispensável à festa, ao ritual, à possessão, à caça e a
tantas atividades humanas: pode construir categorias de
pensamento e de ação. Não contente em acompanhar a
possessão, fornece-lhe o enquadramento sonoro e gestual;
do ritual, não é simples acessório, mas um dos atributos
principais; nas manifestações coletivas reunindo músicos
e público, indica o conteúdo da ação comum; e quando
alcança o domínio religioso, não o faz como cenário ou
simples suporte sonoro da devoção, mas como essência do
ato devocional, encarnando o divino […]: divino do qual
se pode pensar que é tanto
...