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O desenvolvimento do psiquismo


Enviado por   •  21 de Enero de 2014  •  7.707 Palabras (31 Páginas)  •  329 Visitas

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LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte, 1978.

Página: 261-284

O Homem e a Cultura

1. De longa data, é o homem considerado como um ser à parte, qualitativamente diferente dos animais. A acumulação de conhecimentos biológicos concretos permitiu a Darwin elaborar a sua célebre teoria da evolução, segundo a qual o homem é o produto da evolução gradual do mundo animal e tem uma origem animal.

Depois, a anatomia comparada, a paleontologia, a embriologia e a antropologia forneceram imensas provas novas desta teoria. Todavia a idéia de que o homem se distingue radicalmente das espécies animais, mesmo as mais desenvolvidas, continuou a ser firmemente sustentada. Quanto a saber onde é que os diversos autores viam esta diferença e como a explicavam, isso, é outra história.

Não é necessário determo-nos em todas as considerações emitidas neste domínio. Não concederemos qualquer atenção às que partem da idéia de uma origem espiritual, divina do homem, que constituiria a sua essência particular: admitir uma tal teoria é colocarmo-nos fora da ciência.

O essencial das discussões científicas incidiu antes sobre o papel dos caracteres e das dificuldades biológicas inatas do homem. Uma grosseira exageração do seu papel serviu de fundamento teórico às teses pseudobiológicas mais reacionárias e mais racistas.

A orientação oposta, desenvolvida pela ciência progressista, parte, pelo contrário, da idéia de que o homem é um ser de natureza social, que tudo o que tem de humano nele provém da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade.

No século passado, pouco após o aparecimento do livro de Darwin, A Origem das espécies, Engels, sustentando a idéia de uma origem animal do homem, mostrada ao mesmo tempo que o homem é profundamente distinto dos seus antepassados animais e que a hominização resultou da passagem à vida numa sociedade organizada na base do trabalho; que esta passagem modificou a sua natureza e marcou o início de um desenvolvimento que, diferentemente do desenvolvimento dos animais, estava e está submetido não às leis biológicas, mas as leis socio-históricas.

À luz dos dados atuais da paleantropologia, o processo da passagem dos animais ao homem pode rapidamente traçar-se da seguinte maneira:

Trata-se de um longo processo que compreende toda uma série de estádios. O primeiro estádio é o da preparação biológica do homem. Começa no fim do terciário e prossegue no início do quaternário. Os seus representantes, chamados australopitecos, eram animais que levavam uma vida gregária; conheciam a posição vertical e serviam-se de utensílios rudimentares, não trabalhados; é verosímil que possuíssem meios extremamente primitivos para comunicar entre si. Neste estádio reinavam ainda sem partilha as leis da biologia.

O segundo estádio que comporta uma série de grandes etapas pode designar-se como o da passagem ao homem. Vai desde o aparecimento do pitecantropo à época do homem de Neanderthal inclusive. Este estádio é marcado pelo início da fabricação de instrumentos e pelas primeiras formas, ainda embrionárias, de trabalho e de sociedade. A formação do homem estava ainda submetida, neste estádio, às leis biológicas, quer dizer que ela continuava a traduzir-se por alterações anatômicas, transmitidas de geração em geração pela hereditariedade. Mas ao mesmo tempo, elementos novos apareciam no seu desenvolvimento. Começavam a produzir-se, sob a influência do desenvolvimento do trabalho e da comunicação pela linguagem que ele suscitava, modificações da constituição anatômica do homem, do seu cérebro, dos seus órgãos dos sentidos, da sua mão e dos órgãos da linguagem; em resumo, o seu desenvolvimento biológico tornava-se dependente do desenvolvimento da produção. Mas a produção é desde o início um processo social que se desenvolve segundo as suas leis objetivas próprias, leis sócio-históricas. A biologia pôs-se, portanto, a “inscrever” na estrutura anatômica do homem a “história” nascente da sociedade humana.

Assim se desenvolvia o homem, tornado sujeito do processo social de trabalho, sob a ação de duas espécies de leis: em primeiro lugar, as leis biológicas, em virtude das quais os seus órgãos se adaptaram às condições e às necessidades da produção; em segundo lugar, às leis sócio-históricas que regiam o desenvolvimento da própria produção e os fenômenos que ela engendra.

Notemos que numerosos autores modernos consideram toda a história do homem como um processo que conserva esta dupla determinação. Consideram, tal como Spencer, que o desenvolvimento da sociedade ou, como eles preferem dizer, o desenvolvimento do meio “supra-orgânico” (isto é, social), não faz senão colocar o homem em condições de existência particularmente complexas, às quais ele se adapta biologicamente. Esta hipótese não tem fundamento. Na realidade, a formação do homem passa ainda por um terceiro estádio, onde o papel respectivo do biológico e do social na natureza do homem sofreu nova mudança. É o estádio do aparecimento do tipo do homem atual  o Homo sapiens. Ele constitui a etapa essencial, a viragem. É o momento com efeito em que a evolução do homem se liberta totalmente da sua dependência inicial para com as mudanças biológicas inevitavelmente lentas, que se transmitem por hereditariedade. Apenas as leis sócio-históricas regerão doravante a evolução do homem.

O antropólogo soviético I. I. Roguinski descreve assim esta viragem: “Do outro lado da fronteira, isto é, no homem em vias de se formar, a atividade no trabalho estava estreitamente ligada à evolução morfológica. Deste lado da fronteira, isto é, no homem atual, “acabado”, a atividade do trabalho não tem qualquer relação com a progressão morfológica ”.

Isto significa que o homem definitivamente formado possui já todas as propriedades biológicas necessárias ao seu desenvolvimento sócio-histórico ilimitado. Por outras palavras, a passagem do homem a uma vida em que a sua cultura é cada vez mais elevada não exige mudanças biológicas hereditárias. O homem e a humanidade libertaram-se, segundo a expressão de Vandel, do “despotismo da hereditariedade” e podem prosseguir o seu desenvolvimento num ritmo desconhecido no mundo animal . E, efetivamente, no decurso das quatro ou cinco dezenas de milênios que nos separam dos primeiros representantes do Homo sapiens, as condições históricas e o modo de vida dos homens sofreram, em ritmos sempre mais rápidos, mudanças sem precedente. Todavia, as particularidades biológicas da espécie não mudaram ou, mais exatamente, as suas modificações não saíram dos

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