Hiato Ente Gerações
Enviado por Ediliane • 19 de Febrero de 2015 • 2.980 Palabras (12 Páginas) • 235 Visitas
HIATO ENTRE GERAÇÕES: A CÂNDIDA NETA E A DESALMADA AVÓ DE GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
Anna Giovanna Rocha Bezerra
Ediliane Lopes Leite de Figueiredo**
RESUMO:
O presente trabalho focado na obra A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, de Gabriel García Márquez, desmitifica a figura da avó como ser sublime e traz à tona uma vertente desconstrução do arquétipo da avó humanizadora que representa o alento e a proteção na infância, a cumplicidade nas peripécias adolescentes e a eterna matriarca na vida adulta. Analisaremos a convivência intergeracional conflituosa entre a infame avó e a egrégia neta, nesta singular narrativa, que contraria a máxima “bem-aventurados os que têm avó”.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura fantástica. Gabriel Garcia Márquez. Conflito de gerações. Identidade social.
ABSTRACT:
The present work focused on the work A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, from Gabriel García Márquez, demythify the grandmother's character as a sublime being brigs up a slope deconstruction of the archetype of the humanizing grandmother who represents the courage and the prontection during childhood, the cumplicity on teen's tricks and the eternal matriarch on the adult life. We will analyse the intergenerational conflicting intimacy between the infamous grandmother and the rank grandaughter, on this singular narrative, that opposes the maxim "It is blissful to have grandparents".
KEY-WORDS: Fantastic literature. Gabriel Garcia Márquez. Generations conflict. Social identity.
Introdução
A curta e fantástica narrativa de Márquez suscita reflexões sobre a inversão do papel da avó, tomando por base o que está apregoado culturalmente, dentro das mais diversas classes sociais. Contrariando a relação avó/neta normalmente envolvida por harmonia, aura de afeto, proteção acalentadora, o conto revela o triste mundo da cândida Erêndira, a neta peregrina.
A incrível e triste história da cândida Erêndira e sua avó desalmada ocupa um lugar de destaque na literatura latino-americana, além de revelar um conflito intergeracional representado pelo relacionamento parental avó/neta em nada parecido com o habitual narrado nos contos de fada. Esta novela – de 1972 – está inserida no livro homônimo, juntamente com outros seis contos. A história de Erêndira é tão conhecida quanto a saga dos Buendía, de Cem Anos de Solidão , do já citado autor, entretanto o destaque desta narrativa confere a García Márquez o papel de um dos maiores escritores alegórico-fantásticos da literatura universal.
O conceito de literatura fantástica se liga intrinsecamente a textos que fogem ao realismo estrito, tomando como referência o realismo do século XIX. O fantástico nasce daquilo que não pode ser explicado através da racionalidade e do pensamento crítico, como complexo processo de formação dos indivíduos. Há diversas nomenclaturas utilizadas quando se refere à literatura fantástica, como o realismo mágico, o maravilhoso e o alegórico. De acordo com Rodrigues, 1988, na literatura fantástica europeia, ao contrário da produzida na América Latina, há uma preocupação em preservar o real quando algo sobrenatural ocorre, mesmo que a explicação apareça apenas no desfecho da obra. Visa-se, desta maneira, não se perder a verossimilhança, nem mesmo contestá-la. Já na literatura fantástica da América Latina, não há essa preocupação. Assim, o verossímil funde-se com o inverossímil, o real com o sonho, como ocorre, no caso da obra aqui estudada.
Na triste história, o escritor colombiano narra, sem eufemismos, as desventuras de uma jovem de 14 anos corrompida, escravizada e prostituída pela própria avó. A desalmada senhora responsabiliza a neta pelo incêndio que destruiu a casa em que viviam e condena a jovem a se prostituir por mais de oito anos para pagar o "prejuízo de mais de um milhão de pesos", decorrente do incêndio. A possibilidade da frágil e delicada adolescente se livrar da pena surge na figura de Ulisses - um viajante astuto e apaixonado - que representa a esperança e o sonho de liberdade para a neta explorada.
A história de uma avó cruel vingativa e terrível do universo literário e, ao mesmo tempo, uma das mais populares está perpetuada na obra de Márquez que, talvez pelo caráter paradoxal tenha merecido um olhar cinematográfico e ganhou as telas do cinema, em 1983, pelas lentes do diretor Ruy Guerra. O filme co-produzido pelo México, Alemanha e Portugal, protagonizado pela brasileira Cláudia Ohana no papel de Erêndira, recebeu o prêmio de melhor fotografia pela Academia Mexicana de Artes y Ciências Cinematográficas (WIKIPEDIA, 2009).
1 Relação avó\neta nas narrativas literárias
Segundo Almeida, 2009, um dos elos fundamentais na corrente das narrativas de genealogias femininas é a figura da avó. Se verificarmos a simbologia da avó no imaginário literário, do mais antigo ao mais contemporâneo, deparamo-nos com a matriarca anciã, protetora, detentora de sabedoria e responsável por (re)passar para os netos a tradição e a experiência das mulheres da família. Ainda neste imaginário, a avó constitui-se figura marcante, mediadora de conflitos, portadora de legado memorial, responsável pela extensão das linhas da ancestralidade, uma ponte de ligação com uma identidade ou passado cultural. Normalmente, são descritas como personagens inesquecíveis, raramente são frágeis ou indiferentes, quase sempre são poderosas, ativas, afetuosas, “guerreiras” implacáveis em defesa dos netos.
Na tradição literária dos mitos e dos contos de fada, uma das avós mais conhecidas universalmente, é a vovozinha do clássico, adaptado por Charles Perrault, 1967, Chapeuzinho Vermelho, cuja imagem traduz, com fidelidade, o arquétipo da avó-matriarca, frágil, delicada e protetora, mas, ao mesmo tempo, merecedora de cuidado e de atenção.
O conto de fadas está envolto na figura da netinha – chapeuzinho vermelho – que a pedido da mãe vai visitar a avó adoentada, levando-lhe alguns agrados. No caminho, pela floresta, encontra um lobo, que não a ataca devido à presença de lenhadores. O astuto lobo descobre o destino da menina e chega primeiro à casa da avó. O lobo devora a vovó e deita-se na cama à espera da netinha. Ao chegar, a menina percebe algo estranho, mas não consegue se livrar das garras do lobo e acaba sendo devorada também. Nesta “inocente” história o objetivo é reforçar alguns valores educativos, entre eles, chamar atenção das meninas para não deixarem seduzir por lobos “mansinhos”,
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